quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Por um fio

de Dráuzio Varella (Editora Companhia das Letras)

Famoso por seus programas de tevê, o Doutor Dráuzio Varella é provavelmente o médico mais conhecido do país. Ao longo de sua carreira, ele acompanhou centenas de casos de doenças variadas. Correndo o risco de soar muito sombria, pode-se dizer que ele viu muita gente morrer. Como é se de se esperar, esse tipo de experiência não deixa ninguém incólume.

Depois de trinta anos de experiência clínica, o profissional ficou marcado por algumas histórias de pacientes que tratou e com quem conviveu. Durante anos, Dráuzio alimentou a ideia de reunir em um livro algumas histórias que vivenciou, com a ideia de passar adiante algumas das lições que aprendeu com seus pacientes que estavam 'Por um fio'.

Nós tratamos a morte com essa aura macabra, e sempre é um tabu falar sobre morrer, mas é inegável que todos nós vamos chegar lá um dia. É possível perceber claramente que os profissionais que trabalham diariamente com doentes graves compreendem a finitude da vida de uma forma diferente.

Uma das primeiras histórias contatadas por Varella no livro é de sua residência médica na maternidade do Hospital das Clínicas em São Paulo. Numa época em que a mortalidade infantil no Brasil ainda era muito elevada, o jovem médico teve um choque de realidade que lhe abriu os olhos, e foi ensinando aos poucos como ajudar aqueles familiares que lidam com a perda.

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O livro compila dezenas de histórias, engraçadas, emocionantes, reflexivas, sobre todos os aspectos imagináveis de doentes e seus tratamentos. Os casos familiares, as dificuldades, as recuperações milagrosas, mas principalmente a forma como o autor coloca cada pessoa no papel é tirar o chapéu. Cada persona se torna um ser humano vivo, é possível vivenciar cada detalhe de suas complexas personalidades ao ler as páginas.

Mesmo sabendo do sucesso que foi Estação Carandiru, não esperava me deparar com uma escrita de tanta qualidade. Sempre admirei Dráuzio Varella pelo carisma, pelas suas opiniões sensatas, e pelo modelo de bom profissional que ele transmite. Mas não esperava que ia virar uma fã do Dráuzio escritor. 

Esta faceta pode ser tão qualificada quanto a de médico. Este relato, por vezes em primeira pessoa, por vezes relatando a vida do paciente, mostra um tipo de qualidade que só os melhores escritores tem: bons ouvidos. Para que um livro destes chegue às mãos do leitor, somente com um interlocutor especialista em escutar.

Por um fio me fez sorrir timidamente e rir alto, me fez fechar os olhos de dor ao imaginar o sofrimento de outras pessoas, e me fez lacrimejar profusamente. Ler este volume foi uma experiência humana completa, alternando entre momentos de alegria e tristeza profunda.

Por ter escolhido tratar em sua maioria de pacientes com câncer ou Aids, Dráuzio esteve ainda mais perto do fim da vida de seus pacientes do que outros tipos de médicos. Mas podemos ter certeza depois desta leitura, que se  ele os trata com um décimo da doçura e humanidade que demonstra em sua narrativa, eles devem ter um tratamento exemplar. 

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