sábado, 20 de fevereiro de 2016

Não quero viver em um mundo onde as afegãs são apedrejadas

No final do último ano publiquei uma matéria que me fez refletir e que me magoou. Uma jovem foi apedrejada até a morte no Afeganistão, sob acusação de adultério. Não sou capaz de ler este tipo de matéria e ficar imune à toda a tristeza, raiva e dor que ela carrega. Então vou tentar compartilhar com você, caro leitor, como vejo este caso.

Imagine-se com 19 anos de idade, nascendo e crescendo em um país onde a grande maioria das mulheres é tratada como seres sub-humanos, sem direitos, sem respeito, sem chances. Nas pequenas vilas controladas pelo talibã, nas regiões do Afeganistão em que a mídia não chega, a violência contra as mulheres é comum e socialmente aceita. Neste tipo de lugar de pensamento arcaico, um pai não tem filhas para amar e cuidar, ele tem filhas para usá-las como moeda de troca. A esposa é uma de suas propriedades, que serve para sanar necessidades sexuais, cuidar da casa, cozinhar, lavar roupas, buscar água, e parir uma grande quantidade de filhos.

Esta jovem que foi privada a vida toda de sua liberdade, de suas escolhas, a quem não é permitido sonhar, e viver as pequenas alegrias da vida, é então forçada a se casar com um homem mais velho, que ela não conhece. Desta união, seu pai provavelmente tirará alguma vantagem financeira ou política. A jovem, sem nome e sem rosto, não está apaixonada pelo homem com quem é forçada a casar. Da posse de seu pai, ela passa à posse de outro homem. Ela ama um jovem, da sua idade com quem não pode estar.

Juntos os dois tomam a decisão de fugir deste local, para que possam estar juntos, por sua própria escolha. Os cálculos da fuga são feitos de forma errada. Eles são capturados. Ela é presa e julgada pela lei islâmica, que distorcida pelos extremistas a condena à morte. Inútil dizer que o jovem que fugiu com ela não é condenado à morte. Talvez não seja nem punido. Inútil dizer que aqueles que julgam o caso, que decidem sobre a vida e a morte são clérigos e chefes de guerra, todos homens. Quem poderia julgar e condenar as ações desta menina? 

Apedrejamento de Soraya M., de Cyrus Nowrasteh (2008)

O caso não é isolado. Em 2006 a iraniana Sakineh Ashtiani recebeu 99 chibatadas e foi condenada à morte por apedrejamento, sendo libertada em 2010 após extensa campanha e pressão internacional. Em 1986 a iraniana Soraya Manutchehri foi apedrejada até a morte porque seu marido queria tomar uma menina de 14 como esposa, mas não queria devolver o dote de Soraya. Ela foi falsamente acusada de adultério e morta por todos os homens de sua vila, incluindo seu pai, marido e dois filhos. Sua história foi transformada em um emocionante filme chamado O Apedrejamento de Soraya M., de Cyrus Nowrasteh (2008). Se você quiser entender um pouco melhor esta questão é um bom lugar para começar, o filme está disponível no Youtube.

A morte por lapidação, ou apedrejamento não é uma exclusividade do mundo islâmico, já foi praticada por outras religiões como o cristianismo e o judaísmo. A prática também não é aceita na religião muçulmana, que prega, sobretudo a paz. No entanto, o extremismo islâmico tem como hábito distorcer as palavras do Alcorão. Modernistas, tradicionalistas e fundamentalistas tem diferentes opiniões a respeito do Sharia, conjunto de leis do Islã.

O apedrejamento ainda é usado em países como Afeganistão, Irã, Nigéria e Sudão. No método de execução, a pessoa tem as mãos amarradas às costas, e é enterrada no chão, onde sem defesa é atacado com pedradas, que causam traumatismos que acabam levando à morte. Não vou nem entrar na discussão sobre a pena de morte, que por si já é absurda, mas a brutalidade e a covardia chocam.

Esta jovem assassinada de uma maneira tão covarde e brutal é um reflexo de outras que vieram antes dela, e de muitas que ainda virão enquanto a violência contra a mulher for algo aceitável. É importante lembrar disto a todos os homens e mulheres que se recusam a aceitar o feminismo e participar deste movimento. Um feminista é uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos, como na minha definição favorita, a da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.
Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social,
política e econômica entre os sexos
Neste momento algumas pessoas podem se perguntar, "mas qual a ligação entre o feminismo aqui no Brasil, com os apedrejamentos no Afeganistão? Não tem nada a ver uma coisa com a outra". No entanto, tem sim. Há algumas semanas um casal foi assassinado em um motel de Candelária. Os dois cometiam adultério. Nos comentários sobre esta notícia não faltaram dezenas de pessoas, homens e mulheres, que defendessem a violência. A alegação mais vista era a de que a mulher que trai merece morrer.

Você pode até não concordar comigo quando eu digo que NENHUMA PESSOA MERECE MORRER. Mas a Declaração Universal dos Direitos Humanos está aí pra me apoiar. Este desabafo é por esta menina que 19 anos que morreu no Afeganistão. É também pelas quase 5.000 mil vítimas de feminicídio no Brasil a cada ano, segundo dados do Ipea. É por todas as vítimas do machismo em todo o mundo, que só merecem respeito e igualdade.

Esse texto foi publicado originalmente no site Elas por Elas, do qual sou colunista.

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